Editorial
A democracia contra (ou a favor) de si
Em um livro de 2018 que rapidamente se transformou em best seller e pode ser considerado referência recente quando se fala em obras sobre política, os professores de Ciência Política Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, da Universidade de Harvard, fazem um alerta que serviu para abrir os olhos de milhões de pessoas mundo afora: as rupturas democráticas nos países, no contexto atual, não dependem mais de golpes violentos, tanques ou soldados. Nas 270 páginas de Como as democracias morrem, os autores mostram como a corrosão deste modelo de governo e sociedade vem sendo tentada - e em alguns casos com sucesso - através de mecanismos da própria democracia que, mal executados e com instituições omissas, abrem brechas para uma série de pequenas rachaduras que podem vir a culminar com a quebra do modelo e ascensão de autoritarismos.
A referência é válida diante da decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), confirmada na sexta-feira, de que Jair Bolsonaro (PL) está inelegível pelos próximos oito anos. O motivo da sentença da Corte vai diretamente ao encontro do que Levitsky e Ziblatt discorrem _ e demonstram com fatos: o ex-presidente, enquanto exercia o cargo máximo do Executivo no Brasil, usou desta posição de poder e influência para promover ações no intuito de deslegitimar o processo eleitoral do País. O mesmo processo que o alçou ao Palácio do Planalto com milhões de votos. Ricos, pobres, classe média, empresários, assalariados, juízes, policiais, jovens, idosos. Em todos os estratos da sociedade que se possa estabelecer, Bolsonaro obteve apoio em maior ou menor grau em 2018, conquistando de forma incontestável, nas urnas, o direito de governar. E a responsabilidade de, além de usar da melhor forma esse direito, prezar - com juramento feito perante o Congresso - pela manutenção da democracia e Constituição.
Por mais que cause indignação entre apoiadores do ex-presidente, a decisão do TSE aponta para um caminho óbvio e necessário de responsabilização de qualquer cidadão, sobretudo uma autoridade da República, que atente contra as eleições e, por consequência, a democracia. Esta mesma que, ressalte-se, não é relativa e atrelada a ideais ou objetivos individuais. É importante destacar: apesar de muitas tentativas e grande fiscalização, nenhuma das alegações de supostas inconsistências ou insegurança do processo eleitoral e das urnas eletrônicas foi comprovada até hoje.
Ao mesmo tempo em que o afrouxamento da necessária proteção à democracia pode ser danoso contra ela mesma, a manutenção da vigilância de seus conceitos e regras, incluindo o cumprimento da Lei demonstrado pelo TSE na sexta-feira, são caminhos que precisam servir de exemplo da responsabilidade que toda a sociedade tem sobre seu presente e futuro.
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